África do Sul vai hoje a votos na primeira eleição sem memória do ‘apartheid’

Pela primeira vez na sua história, o Congresso Nacional Africano (ANC) deverá obter um resultado abaixo dos 50% dos votos e ser forçado a concertar-se no Parlamento sul-africano para reeleger o seu candidato à presidência, Cyril Ramaphosa, para um segundo mandato de cinco anos

Francisco Laranjeira
Maio 29, 2024
7:08

Ao fim de 30 anos de democracia plurirracial, a África do Sul prepara-se para iniciar a mais importante transição da sua história pós-apartheid, a confirmar-se a perda da maioria parlamentar do ANC nas eleições gerais desta quarta-feira.

Pela primeira vez na sua história, o Congresso Nacional Africano (ANC) deverá obter um resultado abaixo dos 50% dos votos e ser forçado a concertar-se no Parlamento sul-africano para reeleger o seu candidato à presidência, Cyril Ramaphosa, para um segundo mandato de cinco anos, e isso marcará o início de uma mudança fundamental no quadro político, consagrando o “virar da esquina” da ainda maior economia do continente africano.

A forma como se entenderão os 400 membros da Assembleia Nacional na Cidade do Cabo para escolher o chefe de Estado e do Governo, que dirigirá o país a cerca de 400 quilómetros, em Pretória, dependerá da expressão eleitoral do ANC nas eleições de hoje.

Pela primeira vez em 30 anos, a África do Sul vai a eleições com uma população maioritariamente jovem, sem memória do ‘apartheid’, da luta de Mandela pela liberdade ou da ascensão ao poder do seu antigo movimento nacionalista, hoje em declínio.

“Três décadas após o fim do apartheid, o Congresso Nacional Africano (ANC) tenta sobreviver à sua liquidação política”, consideraram os analistas Adriaan Basson e Qaanitah Hunter, a propósito das eleições da próxima quarta-feira.

Na ótica do académico Dominic Maphaka, da Universidade de Noroeste, “a maioria dos jovens, que no passado mostraram uma apatia política para votar, e sendo o grupo demográfico que determinará o resultado destas eleições, irá votar no afastamento do ANC do poder”.

Presidente da África do Sul apela ao voto

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, pediu a “todos os sul-africanos” que votem nas eleições gerais desta quarta-feira, as mais difíceis para o Congresso Nacional Africano (ANC), desde que chegou ao poder em 1994.

“Apelo a todos os sul-africanos para que votem”, disse Ramaphosa numa mensagem invulgar dirigida à nação a partir dos Union Buildings (sede do Governo), em Pretória, transmitida na televisão pública SABC, apenas três dias antes das eleições.

“Somos um povo diverso, mas somos uma nação unida. Vamos estar unidos no nosso empenhamento na nossa democracia. Vamos trabalhar juntos para construir um país melhor”, disse o presidente, candidato a um segundo e último mandato de cinco anos.

O chefe de Estado manifestou a sua esperança de que, tal como em todas as eleições desde 1994, as primeiras multirraciais depois da queda do regime do apartheid, este escrutínio decorra em “condições pacíficas e estáveis, que seja livre e justo”.

O presidente referiu-se ainda a vários incidentes relacionados com a tentativa de obstrução das eleições, incluindo a invasão de instalações da Comissão Eleitoral Independente (IEC) na província oriental de KwaZulu-Natal. “Apelamos mais uma vez a todos os partidos, candidatos, apoiantes e a todos os sul-africanos para que se abstenham de qualquer ação que possa interferir com o processo eleitoral”, disse.

Ramaphosa, que passou em revista os êxitos do seu Governo na luta contra a corrupção e na recuperação da economia após a pandemia da Covid-19, entre outros, fez um discurso dramático de encerramento de campanha no passado sábado, afirmando aos seus apoiantes que, se o ANC não for apoiado nas eleições, o país poderá regressar “a um passado terrível”.

“O povo da África do Sul vai decidir se o nosso país continua a avançar com o ANC para um futuro melhor e mais brilhante ou se regressa a um passado terrível”, afirmou a dezenas de milhares de apoiantes no estádio FNB de Joanesburgo, no último grande comício do partido antes das eleições gerais.

O ANC governa o país desde a instauração da democracia em 1994, com a vitória de Nelson Mandela – o primeiro presidente negro do país – nas eleições desse ano, que marcaram o fim do regime racista do “apartheid” (1948-1994) imposto pela minoria branca.

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